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Registro Copyright - 2019 | Biblioteca Nacional - 2019 | Autora Larissa Braz.
Parte um
Lara
Lara estava de pé em meio ao cômodo vazio onde antes era sua sala, mais ou menos trinta minutos. Nas mãos ela segurava forte as chaves do apartamento que um dia fora seu lar. Ali, naquele lugar, ela viveu momentos memoráveis com os amigos, os pais e Alex, seu ex-namorado.
Ah, o Alex... Os dois haviam se separado fazia pouco mais de um mês. Como pode acabar um relacionamento de seis anos, assim, do nada? A resposta era uma só. Lara não o amava mais. Vários fatores contribuíram para aquilo, incluindo o seu jeito imaturo de ser. Sempre correndo para a barra da saia da mãe e tratando-a como segunda opção. Um dia ela se cansou. Acordou e percebeu que de fato o que a impedia de deixá-lo não era amor e sim medo de ficar sozinha.
“Mas para que o medo, garota? Você não é autossuficiente?”, se perguntou por dias antes tomar a decisão final.
Lara estava prestes a inteirar vinte e sete anos, e ela desejava estar casada antes dos trinta. Filhos? Talvez, quem sabe. Ela nunca havia pensado nisso. Mas como poderia ela se casar com alguém como Alex? Ela viveria uma vida infeliz e logo mais perceberia que não havia outra escapatória daquela infelicidade que não fosse o divórcio.
Então, em uma conversa adulta por sua parte, onde ela o assistiu chorar, interrompeu o namoro de longos anos. Havia chegado a hora de cada um seguir o seu caminho e era exatamente isso que Lara estava fazendo; seguindo.
Quando surgiu a chance de disputar por um cargo na empresa farmacêutica onde trabalhava há sete anos, ela lutou com unhas e dentes para consegui-lo. Até perdeu a amizade de um colega que não aceitou perder a oportunidade para uma mulher. Mas que falta aquele sujeito iria fazer na sua vida, afinal? Eu respondo. Nenhuma!
Mas, com a nova função, não, vinha somente o aumento do salário. Lara também teria que se mudar de estado. Sem filhos ou até mesmo um passarinho para dar de comer, ela não pensou duas vezes. Vendeu todos os móveis, alugou o seu apartamento – presente do pai coronel do Exército Brasileiro – e arrumou as suas malas rumo a Belo Horizonte, Minas Gerais. E foi bem ali, no centro do estado mineiro, que ela viu o seu mundo virar de pernas para o ar. Lara só sabia se fazer uma única pergunta: “Como poderia sentir aquelas coisas jamais sentidas, ainda mais por outra mulher?”
***
Giulia
Giulia esperava pelos advogados de Morgana há mais de vinte minutos. Os seus advogados eram tão descompromissados como a cliente, sua ex-esposa. Depois de nove meses separadas, enfim, iriam se libertar de vez.
A separação não foi fácil, houve muita dor. Principalmente da parte de Giulia que a amava intensamente. Quando Morgana partiu para África, deixando-a para trás de coração partido, Giulia fez uma promessa para si mesma. Nunca mais iria se apaixonar de novo, ou muito menos amar.
Ela era uma médica pediatra bem-sucedida. Tinha a agenda cheia para mais de meses. Bonita. Loira. Trinta e cinco anos de pura elegância e sabedoria. Apesar de ser filha única sem pais desde os dezessete, Giulia não era uma pessoa pacata ou solitária como quem não a conhecia poderia imaginar. Ela tinha amigos. Dezenas de amigos que não a deixaram cair na fossa profunda do pós-término.
Os meses seguintes após o fim do casamento foi passando e as coisas foram fluindo bem para ela. Saia para balada quase todos as noites de quinta a domingo. Beijava várias mulheres bonitas e levava quase todas para casa, mas nenhuma delas conseguia entrar no seu coração por mais que tentassem. Os amigos apelidaram carinhosamente o seu coração de pedrinha de gelo.
Porém, mal sabia ela que isso estava prestes a mudar após uma noite de sexo com uma paulistana recém-chegada na cidade, que ainda nem sequer sabia o que ou quem era.
***
Parte dois
Depois que chegou a Belo Horizonte, Lara não teve muito tempo para parar e pensar no que havia deixado para trás. Mais do que nunca, ela estava ocupada com a nova fase no emprego.
No seu novo apartamento, caixas ainda lacradas com os seus pertences estavam espalhadas por toda parte. Aquilo estava uma verdadeira bagunça. Todos os dias, enquanto bebia a sua caneca de café pela manhã, ela dizia para si mesma que precisava dar um jeito naquilo. Afinal, já fazia um mês que havia se mudado e em algum momento teria de terminar de organizar a sua mudança. Os móveis foram montados na primeira semana, então, essa não era a desculpa para a desorganização.
No trabalho, ela estava sempre correndo de um hospital ao outro, visitando clínicas e atendendo aos clientes mais antigos da Gayer Farmacêutica. O novo inibidor de apetite estava sendo sucesso no mercado. Embora não concordasse com o uso, era ele que estava pagando as suas contas.
Mal tinha trinta dias que ocupava o novo cargo e Lara já era a funcionária do mês. A menina era comunicativa, sorridente, simpática, além de bonita, é claro. Fazia amigos fácil, fácil. E com o passar dos meses vindos, já tinha vários deles. Não havia um barzinho sequer na cidade que ela ainda não tivesse conhecido.
Lara havia mesmo era se apegado a Fernando, um médico ortopedista do Hospital de Santa Rita. Em meio um bate-papo na recepção do hospital, ela descobriu que havia cursado faculdade de comunicação com a prima dele em São Paulo, de onde veio.
Os dois haviam se tornado rapidamente unha e carne. Para ela, ele era somente um bom amigo que a ajudou no seu novo lar. Mas para Fernando, Lara estava se tornando mais que uma amiga. Pelo menos na sua mente.
Depois de um dia cansativo de trabalho, Santa Rita seria sua última parada de visitação. Lá, após atender aos dois médicos que foi ver, encontrou Fernando na lanchonete para um café.
— Acho que você precisa mesmo é de uma cerveja — disse ele.
— Mas hoje ainda é quinta.
— E daí? Vamos. Eu pago.
Sozinhos, cada um no seu carro, seguiram até um Pub ali perto. Ambos se encostaram no balcão e começaram a beber. Logo chegou Gabriela, a enfermeira de quem os dois eram amigos. Rapidamente ela se juntou a eles.
Os três optaram por sentarem em uma das mesas ao canto e longe da música alta para que pudessem conversar, enquanto bebiam mais algumas cervejas. Papo vai, papo vem, o relógio no seu pulso já marcava onze e meia da noite. Era hora de ir para casa.
— Olha! É a Dra. Giulia — disse Gabriela.
Fernando olhou para onde ela apontava discretamente e acenou para médica loira que veio ao encontra deles.
— Olá, doutora. Perdida por aqui? — perguntou Fernando, sorridente.
— Sete horas em uma sala de cirurgia. Estou precisando de uma cerveja para relaxar antes de ir para casa — disse ela, sorrindo, e só depois dirigiu o seu olhar para Lara.
— Essa é a Lara, nossa amiga. Lara, essa é a Giulia. Uma das pediatras do hospital. — Fernando apresentou-as.
— Oi. Acho que já te vi andando pelos corredores.
— Prazer em conhecê-la. — Lara apertou a sua mão e sentiu um leve formigamento na palma.
“O que foi isso?”, se perguntou.
O olhar de Giulia era intenso. Mesmo com a pouca luz no ambiente, ela conseguiu observar a cor da íris dos seus olhos. Eram verdes! Belos olhos verdes.
— Esperando alguém? — perguntou Gabriela para Giulia.
— Não.
— Sente-se conosco — convidou Fernando.
Giulia sorriu para Lara e sentou ao seu lado no banco, de frente para Fernando e Grabriela.
— Mais quatro cervejas, por favor — pediu ele ao garçom.
— Então, Lara... Você trabalha na Gayer, não é? — perguntou Giulia, puxando assunto com ela, que se sentia estranhamente nervosa ao seu lado.
— Sim. Há sete anos.
— Mas você não é daqui. Deixe-me adivinhar... — Estreitou os olhos e encarou-a fazendo Lara sorrir um tanto envergonhada. — São Paulo?
— Sim. O meu sotaque é tão forte assim?
— Um pouco.
— Preciso ir ao banheiro — anunciou Gabriela, saindo da mesa.
— Já que você desobstruiu a passagem, eu vou aproveitar para ir também. Já volto, meninas — disse Fernando, levantando-se e piscando para Lara com galanteio.
— Ele está a fim de você — disse Giulia assim que ambos se afastaram.
— O quê? Não! Somos só amigos.
Giulia riu e deu um gole na sua cerveja.
— Pode até ser para você, mas não para ele. Eu percebi o jeito que te olha rapidinho e nervoso para não ser pego no flagra.
— Não estou em busca de relacionamento, acabei de sair de um bastante complicado há pouco mais de cinco meses.
— É mesmo? Eu também. Assinei meu divórcio há alguns dias.
— Imagino que tenha sido difícil. Eu namorava há seis anos e foi complicado romper.
— No meu caso foi ao contrário, mas isso não tornou menos difícil. Eu ainda amava ela. Amava muito. — Abaixou a cabeça.
“Ela?”, Lara ficou curiosa e em alerta.
— Se importa se eu perguntar o que aconteceu?
— Não. Na verdade, a história é simples. Ela foi convidada a trabalhar no MSF na África e foi embora.
— Mas eu sei que quando se é casado pode levar a família. Além de que você seria muito útil lá. É pediatra.
— Sim, mas ela se virou para mim e disse querer seguir essa nova jornada sozinha. — Olhou para Lara e sorriu triste.
— Eu sinto muito.
— Não sinta, já passou. Oito anos jogados no lixo. — Negou com a cabeça decepcionada, recordando do dia em que Morgana partiu.
— Mas a vida continua.
— Sim. — Sorriu novamente para Lara, mas, desta vez, sem tristeza e olhando-a nos olhos.
Ela a beijaria ali mesmo se pudesse. Estava sentindo uma atração esquisita, como se Lara fosse o imã e ela o metal. Lara era linda e tinha um jeitinho meigo e simpático de ser que chamou a sua atenção. Os seus lábios eram tão desenhados e carnudos...
“Que gosto será que tem?”, Giulia se perguntou.
Elas ficaram presas no olhar uma da outra de forma estranha. Aquilo assustava Lara cada segundo que se passava. Por que ela estava olhando daquele jeito para uma mulher? Por que parecia estar hipnotizada pelos olhos verdes que ela não conseguia parar de imaginar como deviam ser na claridade do sol? Isso não estava certo. Não era certo!
— Voltamos! — anunciou Gabriela vindo com Fernando no seu encalço.
As duas desprenderam os olhos rapidamente. Ambas se sentiam confusas, mas Lara se sentia muito envergonhada.
Giulia não costumava se sentir assim pelos casinhos de apenas uma noite. Não que Lara seria naquele dia. O clima tenso e excitante que estava rolando para ela era novidade. Geralmente o desejo que sentia pela garota da vez era apenas carnal. Mas, agora, parecia ser tão espiritual.
— Eu tenho que ir. Já está tarde e trabalho amanhã — disse Lara, pegando uma nota de cinquenta reais na carteira.
— Mas já? Isso não é desculpa, todos nós trabalhamos amanhã — falou Fernando desapontado.
— Eu também já vou. Te acompanho até lá fora — disse Giulia e virou o resto da cerveja em um só gole.
— Tudo bem.
Giulia se levantou e Lara fez o mesmo em seguida. Elas se despediram dos amigos e seguiram para fora do bar.
— Esse é o meu carro — avisou Lara quando chegou ao seu veículo parado no estacionamento.
— Certo. O meu está lá na frente.
Giulia se aproximou e beijou o seu rosto com um beijo demorado, sentindo a macies da pele de Lara e o seu perfume floral suave.
— Boa noite. Nos vemos por aí — disse ela baixinho, ainda com os seus rostos próximos.
— Tchau.
Giulia seguiu pelo estacionamento e Lara ficou ali, de pé, a vendo partir. Ela levou a mão até o rosto onde fora beijada e sentiu o mesmo leve formigar que havia sentido mais cedo na palma da mão. Respirando fundo, ela entrou no carro.
“O que é isso que estou sentindo?”, se perguntava.
Lara não entendia o porquê se sentia daquele modo tão estranho, nunca sentido. Estava confusa, muito confusa.
***
Parte três
Giulia passou a semana esperando ver Lara outra vez. Se arrependeu amargamente de não ter pedido o seu número de telefone no estacionamento. Ela poderia pedir a Fernando – que com certeza teria – mas não queria que ele a enchesse de perguntas sabendo que ela era lésbica, já que ele estava tão a fim de Lara.
Com uma enfermeira, ela descobriu que Lara visitava o hospital todas as quintas no final do dia, mas, às vezes, acontecia de não dar tempo e ela aparecer no dia seguinte. O que de jeito nenhum poderia acontecer naquela semana, Giulia estaria de folga na sexta-feira.
“Por que diabos me sinto ansiosa? Merda!” Giulia não estava gostando nem um pouco de se pegar pensando em Lara ou ansiosa para vê-la outra vez.
Era quinta e ela inventou uma desculpa esfarrapada para ficar perambulando próxima ao consultório do Dr. Braga, o endocrinologista. De repente, ela escutou a porta do consultório dele ser aberta e ouviu uma risada doce. Olhou e lá estava Lara saindo à frente do médico, arrastando a sua maleta de rodinhas. Era onde carregava as amostras grátis dos medicamentos.
— Até semana que vem, doutor — Lara se despediu apertando a sua mão e seguiu rumo à saída.
— Lara — chamou Giulia, fazendo-a parar e olhar para o lado.
— Oi. Não tinha visto você. Como vai?
— Bem, e você?
— Estou bem. — Sorriu.
Lara sentiu-se tão nervosa quanto na semana passada. Era tanto nervosismo que ela não sabia o que falar. Com Giulia não estava diferente. Um minuto de silêncio constrangedor surgiu.
— Lara! Oi — disse Fernando alegre em vê-la, vindo na sua direção.
— Oi, Fernando. — Deu-lhe um beijo no rosto e recebeu outro.
— Indo para casa?
— Sim. Já está na minha hora.
— Pena que estou de plantão, senão faríamos aquele happy hour hoje de novo. — Sorriu. — Sábado é a inauguração da boate do meu irmão na qual entrou de sócio. Ele me deu algumas cortesias para levar os amigos. O que você me diz? — Olhou para Lara esperando a sua resposta.
Lara nunca foi de festas tão cheias ou varar a madrugada na bebedeira, nem mesmo quando estava na faculdade. Porém, por que não ir? Era a chance de se divertir um pouco mais do que se divertia nos barzinhos.
— Okay, tudo bem.
— Ótimo! Eu te ligo para combinarmos tudo direitinho. E você também está convidada, Giulia.
Giulia já iria à inauguração de qualquer forma. O outro sócio era seu amigo de longa data e havia lhe dado algumas cortesias também, mas ela aceitou o convite de Fernando mesmo assim. Era uma forma de estar perto de Lara. Se antes já estava animada para ir a essa festa, agora – com a certeza de que ela estaria lá – estava ainda mais.
***
O sábado chegou e Lara estava sem saber o que usar. Uma última caixa ainda estava lacrada no canto do quarto. Dentro tinha algumas roupas de festa. Ela havia dado uma olhada no lugar pela internet e era um ambiente super chique que, com certeza, seria frequentado só pela nata da cidade. Precisava de algo à altura.
Ela abriu a caixa e retirou vestidos, blusas, saias e macacões. Entre todas as peças, ela escolheu um vestido de paetês prata, alças finas, costas nua e de comprimento até o meio das coxas. A peça era um tanto justa ao corpo e marcaria bem a suas curvas feitas com a dedicação na malhação. Pronto! Seria aquele o vestido da noite.
Quando o relógio marcou oito e meia, ela já estava pronta. Linda com os seus longos cabelos pesados e pretos soltos nas costas. Lara desceu para o estacionamento e entrou no seu carro, seguindo para o endereço da boate.
O lugar estava lotado com uma fila quilométrica dobrando a esquina, mas Fernando lhe disse ser apenas colocar a pulseira e ir até o segurança que ele a deixaria entrar sem problemas. Lara colocou a pulseira amarelo-neon e saiu do carro entregando a chave ao manobrista. Caminhou pela calçada até o enorme segurança e desejou-o boa-noite estendo o seu braço esquerdo com a pulseira.
— Pode entrar. Boa festa — disse o brutamontes de quase dois metros de altura e um e meio de largura.
Lara entrou e pegou o celular na bolsa mandando uma mensagem para Fernando, avisando-o que já estava no local.
Desculpe, estou atrasado.
Peça uma bebida no bar,
logo mais estarei aí.
Fernando
21:19
Lara respirou fundo com a mensagem, decepcionada.
De longe, lá da área VIP suspensa, Giulia a viu atravessar o mar de gente até o bar. Ela estava de tirar o fôlego, e sozinha.
“Onde está Fernando?”, se perguntou o chamando de irresponsável em um resmungo.
Como ele poderia deixar uma mulher linda como aquela, vestida para matar, solta e sozinha em um lugar como aquele? Giulia era mulher, ela sabia como os abutres chamados de homens se comportavam naquela cidade. Era algo infeliz não poder andar sozinha sem ser abordada de forma grotesca.
Ela desceu e foi até onde Lara estava.
— Oi — cumprimentou parando ao seu lado.
— Oi, Giulia. — Sorriu.
Como aquele sorriso era lindo. Giulia poderia se acostumar a olhar para ele todas as manhãs, mas não era atrás disso que ela estava naquela noite.
— Onde está Fernando? — perguntou alto no seu ouvido, devido ao som ensurdecedor da música.
— Atrasado. Mas ele já deve estar chegando.
— Estou com alguns amigos na área VIP. Você quer conhecê-los? Alguns são médicos da clínica São Francisco. Podem ser novos contatos. — Sorriu convencida de que com esse argumento a levaria com ela.
Lara pensou por alguns segundos e olhou para a área VIP.
— Tudo bem, vamos lá.
Pegou o seu drinque servido pelo barman e seguiu Giulia que se agarrou a sua mão, puxando-a para o outro lado da pista de dança.
— Pessoal, está é a Lara, uma amiga. Ela trabalha na Gayer — Giulia apresentou-a assim que se aproximaram de uma roda de cinco pessoas.
— Prazer em conhecê-los.
— O prazer é nosso, Lara. Amiga da Giulia, é nossa amiga também. Fique à vontade. Sente-se — disse um homem de cabelos grisalhos.
Giulia apresentou um por um dos seus amigos para ela. Não demorou muito para que o seu celular vibrasse e visse o nome de Fernando na tela. Lara desligou a chamada e mandou-lhe uma mensagem de texto dizendo estar com Giulia e os seus amigos na área VIP. Frenando não gostou, ele estava começando a perceber as intenções de Giulia com Lara. Ele seguiu para a área VIP e se juntou a eles.
A noite estava boa e agradável, as pessoas que Lara conheceu eram divertidas. Fernando a convidou para dançar e ela aceitou, deixando Giulia com o pessoal. Os dois desceram e começaram a dançar com uma distância de um braço entre os corpos. Logo Gabriela surgiu e começou a dançar com eles.
Lá de cima, Giulia encarava infeliz tudo o que acontecia lá embaixo. Ela nunca teve motivos para não gostar de Fernando, mas estava começando a ter.
Lara dançava muito bem, rodopiando e rebolando suavemente. Por um momento, Giulia desejou que fosse somente ela a única pessoa a ver aquela cena dela dançando daquele jeito, tão leve e sensual. Como ela desejava poder estar atrás de Lara e tocar com intimidade suas curvas marcadas no vestido. Algumas músicas depois, eles voltaram com Gabriela para a área VIP e se sentaram.
***
A noite para Lara foi incrível, mas para Fernando e Giulia, nem tanto. Eles disputaram a noite toda e parte da madrugada até as três da manhã, a atenção de Lara que não percebeu o que estava acontecendo. Já as outras seis pessoas à mesa, notaram isso nitidamente.
Fim de festa para Lara, era hora de ir para casa. Giulia decidiu que já estava tarde e precisava ir também. As duas se despediram de todos e deixaram a boate. Na calçada, enquanto esperavam pelos seus carros, elas conversavam animadamente e meio alcoolizadas.
— Acho que você já pode me passar o seu número — disse Giulia, entregando o seu celular para ela. — Já somos amigas.
— Claro. — Lara pegou o aparelho, salvou o seu número e o devolveu em seguida. — o meu carro chegou.
— O meu também.
— Boa noite, Giulia. Eu me diverti muito. Os seus amigos são pessoas legais. — Segurou delicadamente o seu braço e beijou o seu rosto rapidamente. — Até mais.
— Até mais, Lara. Boa noite.
Lara entrou no seu carro e foi embora. Em seguida, Giulia fez o mesmo. Em casa, ela não conseguia para de pensar no beijo que ganhou na sua bochecha. Aquela era a primeira vez que sentia os seus lábios contra a sua pele. Eles eram tão macios...
***
Parte quatro
No sábado da semana seguinte – que se passou arrastando – Giulia mandou uma mensagem para Lara convidando-a para um barzinho com os seus amigos depois das oito. Lara hesitou um pouco, mas aceitou o convite. Para Giulia, seria sua oportunidade de “chegar mais” nela, já que Fernando não havia sido convidado.
A noite chegou e ela seguiu para o bar. Minutos após encontrar os seus amigos, Lara apareceu andando na sua direção com um sorriso matador e delicado. Giulia sentiu um arrepio imenso passar por seu corpo, indo dos pés à cabeça. Ela queria tanto tê-la por uma noite.
— Olá, pessoal — cumprimentou Lara ao se aproximou da mesa onde estavam todos.
— Lara! Que bom revê-la. Junte-se a nós — disse a mulher de nome Margarete, dona de uma clínica odontológica no centro de BH. Ela era esposa do médico Alfredo, neurocirurgião.
— Oi, Giulia. — Beijou o seu rosto.
Lara sentia coisas estranhas a respeito de Giulia e estava parando de se questionar sobre isso e aceitando os fatos. Às vezes, poderia ser somente uma amizade bonita e verdadeira que estava nascendo. Por isso o sentimento jamais sentido, ela nunca teve uma melhor amiga.
“Talvez seja assim que alguém que tem uma melhor amiga se sinta”, ela tentava justificar os seus sentimentos “anormais”.
O que ela estava gostando naquela noite, era de estar com Giulia sem a presença de Fernando e Gabriela. O porquê, ela não sabia. Só sabia que estava gostando de estar ali só com ela e os seus amigos. Era um fim de semana diferente.
Eles conversaram, beberam, comeram, jogaram dardos e a hora de ir para casa chegou. Todos saíram juntos do bar e se despediram na calçada. O carro de Lara estava estacionado em frente ao de Giulia, então as duas seguiram juntas para lá ainda rindo de algo que Alfredo havia dito minutos atrás.
— No próximo fim de semana é o meu aniversário — disse Lara.
— Sério? Quantos anos?
— Vinte e sete — disse fazendo uma careta.
— Relaxa, você ainda nem chegou nos trinta. — Giulia riu alto.
— Os meus pais iriam vir passar o fim de semana comigo, mas não vai mais rolar. O meu pai teve um imprevisto no trabalho, então, vou passar a data sozinha.
— Com o que ele trabalha?
— Ele é Coronel no Exército.
— Interessante. Mas me diga... o que está pensando em fazer? Não vai mesmo passar o dia sozinha, vai?
— Sei lá. O meu apartamento é no último andar, eu tenho o terraço só para mim. Pensei em dar uma festinha no próximo sábado.
— Legal. Eu vou. Vai convidar o pessoal?
— Claro. Eles são demais. Será só nós, Fernando e Gabriela, é claro. Eles também são meus amigos.
— Certo. O que eu devo levar?
— Somente a sua presença.
— Tem certeza?
— Sim. Bom... eu já vou indo. Mandarei os detalhes da festa durante a semana.
Lara caminhou até Giulia e beijou o seu rosto. Já estava se tornando costume fazer sempre que se viam, fosse à chegada ou na despedida. Mas, desta vez, o beijo acertou um pouquinho mais para a esquerda e pegou o cantinho dos seus lábios. Aquilo acendeu algo dentro de Lara. Era imenso e inexplicável.
Um arrepio leve e lento percorreu todo o seu corpo. Por um segundo ela quis beijá-la. Isso a assustou de modo que a fez lhe dar as costas, e andar apressada até o seu carro.
Giulia ficou parada ainda sentindo o pedacinho dos seus lábios nos dela. Ela queria mais daquilo e não aguentaria esperar muito mais tempo.
***
Durante a semana Lara não parava de pensar no que sentia no seu peito e no desejo que quase tomou conta dela. Aquilo era completamente assustador. Aquele desejo era pecaminoso, aprendeu na igreja que frequentou desde que nasceu até ir para faculdade.
“Mas e se não fosse? E se estivessem todos errados?”, ela questionava.
Lara chorou no banho quase todos os dias. Pensou em dezenas de vezes cancelar a festa do seu aniversário para não ter que ver Giulia, mas todos já haviam se programado e confirmado presença.
“Talvez aconteça algum imprevisto e Giulia não venha.”, alimentou uma falsa esperança.
Como toda santa semana, quinta-feira ao final do dia, Lara ia até o Hospital de Santa Rita. Ela entrou rezando para não encontrar aquela que vinha abitando os seus sonhos loucos e saiu do mesmo modo. Lara ainda não compreendia o que estava acontecendo consigo mesma.
— Lara! Te encontrei! — disse Fernando, alegre em vê-la. — Como foi o fim de semana?
A única coisa que vinha do fim de semana na sua cabeça, era o beijo em Giulia e da atração que sentiu.
— Foi bom. E o seu?
— Senti a sua falta. Eu já estou indo para casa, quer ir tomar uma cervejinha?
E, de repente, uma luz brilhou em cima da sua cabeça. Certa vez Giulia disse que Fernando era a fim dela. E se ele fosse mesmo? Ela poderia investir e beijá-lo. Assim saberia e provaria para si mesma que ainda gostava de homem e que o que sentiu por Giulia fora apenas uma combinação estranha de bebedeira e carência.
— Claro. — Sorriu. — Vamos?
— Vamos lá.
Fernando realmente já estava de saída. Eles entraram nos seus carros e seguiram para um bar um pouco longe dali. Os dois entraram, se sentaram e pediram duas cervejas artesanais.
Lara tirou o casaquinho que usava e prendeu o cabelo, deixando o colo e os ombros à mostra. Entre uma cerveja e outra, ela jogou charme para ele e sorriu docemente. Usou das mesmas armas quando quis conquistar Alex, seu ex-namorado.
O relógio marcou meia-noite e eles já estavam meio-alcoolizados. Lara se forçava para sentir tesão ou atração por Fernando, enquanto ele sentia tudo aquilo por ela sem esforço algum. Fernando era um homem bonito. Negro, alto, sorriso perfeito, olhos claros e todo musculoso. Qualquer mulher cairia aos seus pés. Por que isso não estava acontecendo com ela?
“O que tem de errado comigo?”, não parava de se perguntar. Pobre Lara... Não há nada de errado com você!
Eles pediram a conta e deixaram o bar. Fernando a acompanhou até a porta do seu carro com a mão na sua cintura. Lara virou-se para ele e o olhou nos olhos com uma última esperança de sentir qualquer coisa que a fizesse desejá-lo. Fernando a olhou de volta e se aproximou fechando o espaço entre eles.
— Obrigada pela noite — ela agradeceu aos sussurros. Ele estava perto e prestes a beijá-la.
— Não tem que me agradecer por isso.
Abaixou a cabeça e beijou os lábios de Lara. O beijo era bom. Ótimo para falar a verdade, mas ela não sentiu nada que sequer a fizesse querer continuar com aquilo. No entanto, ela insistiu mais um pouco.
Segurou os seus braços firmes com as duas mãos e aprofundou o beijo. Ele puxou-a para mais junto dele, enlaçando a sua cintura. Corpos colados e abraçados. Era agora que viria o tesão. Mas não aconteceu. Ela sentiu a sua ereção pulsar entre os dois dentro do jeans dele. Ficou em pânico. Pela primeira vez na vida ela sentiu medo e nojo daquilo.
Lara teve um único homem na vida e fora Alex. Antes dele era apenas beijos na boca sem mãos bobas. Ela nunca foi muito fã de sexo, sequer teve um orgasmo na vida, mas fazia para vê-lo contente e saciado.
A parte do relacionamento que ela mais curtia era o cinema, os jantares a dois, os filminhos em casa em um dia de chuva e etc.. Gostava de coisas assim, um pouco tolas. Mas ela nunca... nunca havia sentido nojo antes. Aquilo era a coisa mais assustadora que lhe aconteceu em toda a sua vida.
Em um ímpeto, ela empurrou Fernando e deu um passo para trás, batendo com as costas contra o seu carro. Os seus olhos estavam marejados de desespero.
— Desculpe — pediu Fernando, afoito ao ver como ela estava.
— Está tudo bem. Podemos falar sobre isso depois?
— Claro.
— Tchau. Te vejo no sábado. — Entrou no seu carro e deu partida seguindo pela rua.
O caminho para casa foi feito em meio ao choro alto e compulsivo. Ela pensou várias vezes em encostar o carro até se acalmar, mas era perigoso, já estava tarde.
— Que merda está acontecendo? Por que estou sentindo isso? Meu Deus! Por quê? — Bateu com a mão várias vezes no volante, nervosa.
Lara chorou aquela madrugada inteira. Se tiver dormido por três horas terá sido muito. Quando amanheceu, ela já estava de pé sentada na sala com uma caneca de café, sentindo-se um zombie.
No dia seguinte, ela ficaria cara a cara com Giulia depois de uma semana sem se verem ou se falarem. O que poderia acontecer entre elas agora que essa “coisa” estava tomando proporções maiores no seu peito a cada dia que se ia?
***
Parte cinco
Giulia passou a semana inteira pensando em Lara e no que lhe dar de presente. Lara merecia algo tão lindo e especial quanto ela. Então, naquela quinta-feira depois do trabalho, ela iria sair para comprar o seu presente. Havia pensado em um vinho importado, livro, sapato, mas nada disso era o que ela imaginava lhe dar.
Passando em frente a uma joelheira, ela resolveu entrar. Após tanto namorar os mostruários, Giulia encontrou algo que era a cara de Lara. Uma corrente fina banhada a ouro amarelo com um pingente em formato de estrela feito de zircônia azul-claro. Era lindo, delicado e brilhante como ela.
Giulia sorria feito uma boba. Ela olhou para frente e viu o seu reflexo no espelho que cobria toda a parede. Vendo a si mesma, ela se fez uma pergunta:
“Será que estou me apaixonando? Não é possível! Lara é só mais uma conquista.”
— Ela só é uma garota legal, que merece um presente legal — disse para si mesma.
Após comprar o colar, Giulia fora para casa. Ao chegar ao seu apartamento, ela tirou toda roupa no quarto e foi para o banho. Refrescada e livre de uma parcela do cansaço que sentia, se deitou nua na sua cama e ligou a TV em um canal de culinária que adorava assistir, mesmo que não soubesse cozinhar.
Ali, deitada e relaxada, ela se lembrou daquilo que lhe atormentava a semana toda. O canto dos lábios de Lara nos seus. Aquela sensação foi tão prazerosa... Imagina se tivesse sido um beijo inteiro?
Um formigamento familiar surgiu na sua intimidade. Giulia abaixou o volume da TV e abriu as pernas. De olhos fechados, ela desceu a sua mão até um ponto específico entre as coxas e suspirou ao se tocar cuidadosamente.
Pouco a pouco, o prazer foi crescendo dentro de si e comprimindo o “pé” da sua barriga. Apenas imagens de Lara vinha na sua mente, como: na noite que a viu dançar, seus sorrisos, sua risada... Sensações do toque dos seus lábios na sua pele sedosa também foram sentidos.
Giulia friccionou dois dos seus dedos no seu clitóris com mais força e agilidade gemendo alto, até que gozou com a imagem nítida do rosto de Lara na sua mente.
— Preciso de mais. Quero mais! — disse ofegante.
***
No sábado, Lara estava muito nervosa. Não pelo fato de receber amigos pela primeira vez no seu apartamento desde que se mudara para BH, mas porque sabia que veria Giulia. Ela havia experimentado várias roupas e nenhuma estava boa. Por fim, escolheu uma calça jeans justa e uma blusa decotada de alcinhas finas. Nos cabelos não tinha muito o que fazer, então o deixou solto. No rosto, fez uma leve maquiagem e passou um batom vermelho nos lábios. Mesmo não admitindo, ela queria chamar a atenção de Giulia. Era um conflito interno muito grande.
A campainha tocou e ela terminou de calçar as sandálias para ir atender. Ao abrir a porta, lá estavam Gabriela e os seus novos amigos apresentados por Giulia. Ela os acomodou na sala após receber as felicitações e os presentes. Disse-os que assim que Giulia e Fernando chegassem, eles subiriam todos juntos para o terraço que havia sido arrumado especialmente para aquela noite. A vista do oitavo nadar era linda, valia cada centavo pago a mais no aluguel daquele último apartamento para ter acesso ilimitado e privado àquele lugar.
A campainha tocou outra vez e ela correu para atender. Ao abrir a porta, encontrou Fernando segurando uma sacola rosa nas mãos. Eles sorriram um para o outro e se abraçaram. Desde a fatídica noite do beijo, ainda não haviam se visto ou se falado.
— É para você. — Entregou-lhe a sacola.
— Obrigada, mas sabe que não precisava. Vou colocar ali com os outros e abro depois.
— Tudo bem. — Sorriu com simpatia e seguiu para dentro do apartamento indo cumprimentar os outros convidados.
Antes que ela fechasse a porta, o elevador apitou chegando no seu andar e as portas se abriram revelando Giulia. Ela saiu de dentro dele usando um vestido vermelho justo ao corpo de comprimento midi e sandálias brancas. Estava um deslumbre.
Lara nunca tinha a visto tão bonita como naquele dia, usando maquiagem e brincos longos de prata. Ela nem sequer conseguiu piscar. O seu coração batia tão rápido que parecia que as pessoas poderiam ouvi-lo.
— Feliz aniversário. — Sorriu entregando-lhe uma sacola da cor preta envernizada com a logo de uma famosa joalheria. — Espero que goste. — Beijou o seu rosto.
— Obrigada. Entre.
Giulia entrou e foi direto até os seus amigos.
Todos presentes, Lara os convidou para o terraço.
— Uau! É lindo! — elogiou Gabriela.
— Eu amei esse lugar desde o primeiro minuto que o vi. Não teve como não ficar com o apartamento.
Todos se acomodaram e Lara os serviu com vinho. Ela não sabia cozinhar muito bem, por isso havia contratado um buffet para preparar a comida e servi-los.
A noite passou tranquila regada de boas companhias, comidas, músicas e bebidas. Eles riram e conversaram animados até as duas e meia da manhã. Durante toda a noite, Lara e Giulia trocaram olhares e sorrisos envergonhados e involuntários. Um nervoso habitava no estômago das duas. Enquanto Giulia garantia para si mesma não estar apaixonada e de que Lara era só uma conquista, a aniversariante se perguntava se era possível se apaixonar por uma mulher.
A hora dos convidados irem, chegou. Todos voltaram juntos para o apartamento. Lara, antes de se despedir deles, abriu os presentes e agradeceu por cada um. Tinha de tudo, desde flores até copos de cristal.
Todos saíram e ficou apenas Giulia dizendo haver deixado o celular sobre a mesa no terraço. Lara fechou a porta e começou a recolher o resto dos embrulhos rasgados dos presentes.
— Achei — disse Giulia ao voltar do terraço, balançando o celular para Lara. — Bom... Eu já vou indo. A festa foi ótima, obrigada. E mais uma vez: feliz aniversário, Lara. Deve estar sendo difícil estar longe da família.
— Um pouco. Mas, na verdade, mas meus pais virão no próximo final de semana.
— Isso é bom, deve estar morrendo de saudade.
— Sim, eu estou. — Sorriu saudosa dos pais.
Giulia pegou a sua bolsa e caminhou para porta, abrindo-a. Lara a acompanhou até lá.
— Tchau — despediu Giulia e lhe deu um beijo no rosto, tocando o canto da sua boca propositalmente.
Lara sentiu aquele nervoso aumentar e as borboletas – que passaram a noite no seu estômago – voarem feito loucas, lhe causando enjoo. Giulia afastou alguns centímetros e olhou-a nos olhos, vendo o tamanho do desejo de Lara em ser beijada por ela. Sem demora, segurou suavemente o seu rosto com as duas mãos e a beijou com delicadeza para não a assustar. Mesmo sem nunca ter dito, Giulia era experiente o suficiente para saber que Lara nunca havia beijado uma mulher antes.
O beijo tinha sabor de vinho tinto. Os lábios de Lara eram tão gostosos quanto Giulia imaginava. Lara segurou a sua cintura e se entregou por completo ao momento. Ela não entendia o porquê não estava lutando contra aquele pecado ou correndo dali. Ela só sabia que estava bom e que queria mais.
Giulia subiu uma mão para sua nuca e agarrou sem muita força os seus cabelos. A excitação percorria por seu corpo, a deixando quente como brasa e os pulmões sem ar.
— Meu Deus! — disse Fernando, parado atrás de Giulia.
As duas se soltaram rapidamente e olharam para a porta. Giulia o encarou com ódio. Lara, envergonhada, abaixou a cabeça após ver quem estava parado olhando-as com espanto.
— Já não tinha ido embora, Fernando?
— Esqueci as minhas chaves.
Giulia olhou pelo ambiente da sala e as viu sobre a mesa de centro. Caminhou até elas e as apanhou com raiva, entregando-as com grosseria para Fernando, que encarava Lara sem parar e sem esconder o misto de decepção e curiosidade.
— Boa noite, Fernando! — disse Giulia o espantando dali.
Sem dizer nada, ele a olhou e depois para Lara uma última vez antes de entrar no elevador.
Giulia mal esperou o elevador partir e fechou a porta da entrada do apartamento.
— Você está bem? — perguntou tocando o rosto de Lara.
— Eu não sei. — Ela se afastou e sentou-se no sofá, respirando fundo.
— Eu sei que nunca beijou uma mulher antes — disse Giulia sentando-se sobre a mesinha de centro, à sua frente.
Lara a olhou assustada.
— Foi tão ruim assim?
— Não! — Riu. — O seu beijo é maravilhoso. Tão maravilhoso que eu quero mais, Lara.
Lara a encarava sem palavras. Definitivamente não sabia o que fazer ou dizer.
— Isso é errado — disse baixinho.
— Não! Não é! Eu imagino e entendo que com um pai Coronel do Exército, você recebeu uma educação rígida. Mas isso que aconteceu entre nós há pouco e esse clima que já acontece há dias, não é errado, Lara. Essa é quem você é. Essa é quem eu sou.
— Eu não posso...
— Pode! — interrompeu-a. — Você pode tudo o que quiser e ninguém tem nada a ver com isso.
— Preciso de um tempo. Preciso pensar e raciocinar o que está acontecendo.
— Tudo bem. Eu vou para casa, mas volto amanhã para conversamos e eu poder ver como você está.
— Okay.
Giulia sorriu e selou os lábios de Lara, antes de se levantar e caminhar para porta.
— Até amanhã.
***
Parte seis
Lara passou a noite em claro analisando toda a sua vida, desde a infância até o hoje. Ela nunca antes sentiu atração por mulheres, mas também não sentia por homens. Alex na sua vida foi uma aposta com as amigas que lhe dariam duzentos reais se ela conquistasse alguém naquela noite. E ela conseguiu. Estava alcoolizada e assim teve coragem para tudo. O relacionamento que veio depois foi um desencargo do destino que ela não fez questão de impedir.
“Será que algum dia cheguei a amar o Alex? Ou aquilo era apenas paixão ou, talvez, comodismo que confundi miseravelmente com amor por anos?” Ela não sabia as respostas e infelizmente não tinha a quem perguntar. “E se eu sempre fui assim, mas não sabia? Será que reprimi quem sou durante vinte e sete anos? Será?” Eram tantas perguntas que a sua cabeça parecia que iria explodir.
Lara gostou do beijo. Foi o melhor beijo que deu em toda a sua vida! Foi excitante, ardente e apaixonante. Giulia era definitivamente a boca mais gostosa que a sua tocou. Ela estava sem respostas para muitas questões, mas tinha certeza sobre uma coisa: ela queria mais e teria mais. Precisava de mais!
Levantou-se do sofá e foi até o quarto tomar um banho. Precisava se refrescar e dormir ao menos um pouco e foi o que fez o dia todo. Acordou com a luz do pôr do sol no seu rosto. Cheia de preguiça, ela estendeu a mão e pegou o celular sobre a mesa de cabeceira ao lado. Nele havia seis ligações dos pais, uma mensagem em áudio da mãe e outra de texto do Fernando dizendo que os dois precisavam se encontrar para conversar urgentemente.
Lara escutou o áudio da mãe que estava preocupada com o seu sumiço e a ligou para lhes garantir que estava viva. Quanto a Fernando, ela mandou uma mensagem de texto dizendo que durante a semana eles conversariam e ele aceitou.
Giulia havia dito que viria vê-la, mas até o presado momento ela ainda não havia aparecido. Com certeza teria acordado com a campainha tocando, era estridente aquele barulho agudo.
Ela foi até a cozinha comer alguma coisa e levou o celular consigo. Enquanto preparava um sanduíche, a campainha tocou, lhe dando um susto. Lara foi até a porta ainda de roupão – sem nada mais por debaixo dele – e abriu-a. Para sua surpresa, era Giulia quem estava depois dela com um enorme sorriso e duas sacolas com comida chinesa.
— Posso entrar?
— Claro. — Deu passagem a ela.
— Você acabou de acordar, não é?
Lara assentiu.
— Dá para notar. Eu trouxe comida, vou colocar na cozinha. Espero que você goste de comida chinesa.
— Sim, eu adoro. — Sorriu.
— Certo. Então, por que não vai se trocar?
E enfim Lara se deu conta da forma como estava vestida à sua frente.
— Desculpe, eu já volto.
Caminhou para o quarto e fechou a porta. De pé, diante da cama, ela retirou o roupão e o jogou sobre o baú almofadado. Ela mal havia se aproximado de Giulia e já sentia os seus seios doerem de excitação. Lara os tocou devagar e o apertou de leve fechando os olhos. Ela queria que fosse Giulia a fazer aquilo. O desejo era tão ardente que parecia que a sua pele estava em chamas. Respirando fundo, ela decidiu precisar tentar mais uma coisa para saber se de fato aquela sempre foi a verdadeira Lara que viveu uma vida trancada no seu interior desconhecido.
Ela vestiu um vestido leve e solto ao corpo com decote nos seios e esqueceu-se da calcinha, propositalmente. Prendeu os cabelos em um rabo de cavalo e passou um batom rosado nos lábios após escovar os dentes. Voltou para sala e encontrou a mesinha de centro posta para as duas.
— Espero que não se importe, eu mexi no seu armário.
— Não tem problema.
— Você está linda. Venha, sente-se aqui. — Sentou-se no tapete ao redor da mesinha e estendeu a sua mão para ela, que aceitou e aconchegou-se ao seu lado.
— Está com o cheiro ótimo.
— A comida é boa, é do restaurante do meu padrinho.
— O seu padrinho é chinês?
— Não, mas admira a culinária. — Riu — Ele é um cara incrível, eu amo aquele homem. Foi ele quem me criou.
— Por quê? O que houve com os seus pais?
— Morreram em um acidente de carro quando eu tinha dezessete. E desde então fui morar com os meus padrinhos.
— Lamento.
— Obrigada. — Sorriu triste. — Como você está?
— Bem, eu acho.
— Ainda com dúvidas? Talvez eu possa te ajudar?
— Como você soube que era lésbica? — Boa, Lara! Foi direto ao ponto.
— Eu só me dei conta do que eu era quando entrei na faculdade e me apaixonei pela minha colega da república. Antes disso, eu só não conseguia sentir nada pelos garotos e para mim estava tudo bem. É claro que beijei alguns por incentivo das minhas amigas, mas não sentia tesão por nenhum deles. Então, quando descobri estar apaixonada por uma mulher aos vinte anos, eu surtei. Queria me matar por aquilo estar acontecendo. Não parava de pensar que estava decepcionando os meus pais, onde quer que eles estivessem. Foi quando fiz a maior burrada da minha vida. Tentei ter relações sexuais com um homem. Achava que isso me consertaria. Aquilo foi ruim e traumatizante. Fiz amizade com um gay na faculdade e ele me ajudou a aceitar quem eu era e quem sempre fui. Quando contei para os meus padrinhos que eu gostava de garotas, eles me perguntaram se eu tinha certeza e chorando, disse que sim. Então, eles me abraçaram e disseram me amar, independente da minha opção sexual. Ambos sabiam que isso não mudaria quem eu era como ser humano. E de fato não muda, Lara. Você gostar de mulheres não vai mudar quem você é!
— Eu tenho medo.
— De que exatamente?
— Do que os meus pais vão falar. Do que os meus amigos vão pensar.
— Os seus pais te amam. Eles podem não aceitar no começo, mas depois irão. Eles conhecem a filha incrível que criaram. E quanto aos seus amigos, se não amarem quem você é, seja sendo hetero ou não, eles não são seus amigos. Nunca foram! — Segurou a mão de Lara com carinho. — Fique calma. Eu estou aqui.
— Eu sei. — Sorriu.
— Agora coma antes que esfrie.
Elas comeram trocando poucas palavras e depois foram juntas limpar a bagunça feita na sala. Após arrumarem tudo, Giulia abriu as portas que davam para a varanda e saiu para lá recebendo a brisa forte do tempo que começava a mudar. Lara foi até ela e parou ao seu lado.
— Aqui é calmo. Em São Paulo você escuta barulho de carro e gente a qualquer hora do dia, noite ou madrugada.
— Gosta daqui?
— Gosto. — Olhou para ela e sorriu.
Giulia se deixou hipnotizar por aquele sorriso doce e honesto. Tocando a sua face com a mão direita, ela acariciou a sua bochecha de pele aveludada. Lara fechou os olhos ao seu toque e suspirou. Giulia sem poder esperar mais, beijou a sua boca com tamanho desejo carnal, prensando Lara contra o parapeito.
Com a coxa direita entre as pernas de Lara, ela fez uma pressão no seu clitóris friccionando-o. Lara gemeu desejosa nos seus lábios e apertou a sua cintura. Os lábios de Giulia desceram pelo seu pescoço até o ombro, mordendo-o de leve e o beijando.
— Giulia — Lara gemeu em sussurros.
— Estou aqui — sussurrou no seu ouvido, a fazendo se arrepiar dos pés à cabeça.
— Eu quero mais. Preciso sentir mais. — Olhou nos seus olhos.
— Você tem certeza? — perguntou preocupada.
— Tenho.
— Então nos leve para o seu quarto.
Lara pegou a sua mão e a levou para o quarto, fechando a porta atrás de si. Giulia analisou o ambiente e sorriu. Estava no quarto de Lara, aquele momento era marcante. Ela se aproximou dela e desceu as alças finas do seu vestido, o deixando cair nos seus pés, amontoando-se no chão. Teve a surpresa de que ela estava sem calcinha.
— Você é linda! — disse Giulia a dois passos de distância, analisando meticulosamente o corpo de Lara todo arrepiado.
— Eu não sei o que fazer.
— Não precisa saber. Apenas confie em mim.
— Eu confio.
Giulia se aproximou, pegou-a pela mão e a levou para cama.
— Deite-se. — pediu e assim Lara fez.
Ela se despiu sem pressa e subiu na cama. Corpo com corpo, pele com pele. Era tudo o que ambas mais queriam há dias.
Lara agarrou os cabelos loiros de Giulia sem menor vergonha ou pudor e puxou-a para um beijo de tirar o fôlego. As duas já estavam com a excitação escorrendo por entre as pernas. Giulia desceu os seus lábios e sugou os seios de tamanho médio de Lara. Eram tão sedosos quanto o resto da pele do seu corpo por onde a sua boca já havia passado.
Lara gemeu e arqueou as costas em desejo para ela. Quando os soltou, Lara resmungou em protesto. Os seus lábios desceram por sua barriga deixando rastros de beijos até chegar à sua intimidade. Giulia a cheirou inalando forte o seu aroma e a abocanhou sem medo, fazendo Lara gritar, agarrando os seus cabelos outra vez e se contorcer sob ela.
Lara não precisava de mais nada além daquilo ali para saber que gostava de mulher e que era de fato lésbica. De repente, toda a sua vida monótona relativamente ao sexo e relacionamento passado fez sentido para ela. Lara sempre fora assim e nunca percebeu. Foi preciso Giulia entrar no seu caminho para descobrir o que ele não sabia sobre si.
Giulia lambeu, sugou, mordeu e a penetrou com a língua. Lara quase desmaiou de tanto prazer jamais sentido antes na vida. Giulia estava para explodir em um orgasmo somente de vê-la à beira de um. Lara se esfregava contra o seu rosto e chamava o seu nome, exasperada. Ela não era como Alex, sabia exatamente aonde ir para levá-la à loucura. Sem mais demora, Lara explodiu em um orgasmo pela primeira vez na vida e quase rasgou o lençol com uma das mãos.
Ela a lambeu um pouco mais e trilhou beijos de volta até a sua boca. As duas se beijaram como se não fosse haver o amanhã. Elas estavam loucas uma pela outra. Loucas por mais.
Giulia abriu bem as pernas de Lara para os lados e começou a esfregar a sua boceta contra a dela, friccionando clitóris contra clitóris. As duas gemiam e gritavam uma pela outra. Se olhavam com tamanho desejo que nenhuma nunca sentiu. Era algo fervescente. Giulia, que se achava incapaz de amar ou se apaixonar outra vez, viu a sua muralha ruir. Ela não queria aquilo com mais ninguém se não fosse com Lara. Estava decidido. Talvez o amor da sua vida nunca tenha sido Morgana como pensou por oito anos. Talvez o seu amor fosse uma paulistana que estava se descobrindo.
As duas gozaram juntas e não pararam. Ambas continuaram em busca de mais prazer. Giulia passou a sua perna direita por cima da perna esquerda de Lara e apanhou a outra apoiando-a no seu ombro. Assim teve mais liberdade para se esfregar nela com força e vontade.
— Ah! Por favor, goza... Goza, Lara. É lindo ver você gozar.
— Não pare! — suplicou agarrando a coxa direita de Giulia.
— Não vou, querida. — Apertou o seio de Lara com força.
Lara gritou e gozou fechando os olhos, enterrando a cabeça para trás no travesseiro.
— Nossa! Você é linda! — disse Giulia chegando ao seu ápice.
Ela desabou sobre Lara e a abraçou deitando a cabeça no seu ombro, sentindo que aquilo dentro dela era paixão. E não havia dúvida. Lara a abraçou e beijou o seu rosto.
— Já não me parece mais errado — sussurrou ofegante.
— É porque não é. — Giulia a olhou. — Nada do que fizermos, com exceção de traição, será errado.
Lara sorriu com toda a sua delicadeza e acariciou o rosto de Giulia.
— Você é linda — elogiou.
— Podemos ser ainda mais lindas juntas.
Lara riu e laçou a sua cintura com as pernas.
— Está me pedindo em namoro, Giulia? — Estreitou os olhos para ela.
— Estou. — Riu.
— Ainda não é muito cedo?
— Para que fugirmos do destino e tentar adiar o inevitável? Não tenha medo, Lara. Vamos nos aventurar juntas. — Beijou os seus lábios com calma é doçura.
***
Parte sete
Lara passou a semana fugindo de Fernando e dormindo com Giulia. Quando isso não acontecia no apartamento de uma, acontecia no da outra. As duas estavam muito felizes. A cada dia se conheciam mais e mais.
Ela evitou todas as ligações e mensagens de Fernando. Tinha medo do que ele teria para lhe dizer quando a visse, mas hoje seria inevitável. Era quinta-feira e ela sabia que quando saísse do consultório do Dr. Braga, seria abordada por ele. E foi exatamente isso que aconteceu. Quando saiu da sala, despedindo-se do médico, ela o viu encostado no balcão da recepção. Fernando sorriu tímido e acenou. Ela sorriu de volta e caminhou até ele.
— Vamos tomar um café? — convidou Lara.
— Claro.
Os dois caminharam para o refeitório do hospital e se sentaram em uma mesa afastada. Os cafés chegaram e eles ficaram a sós.
— Lara, eu...eu quero lhe pedir desculpas — pediu de cabeça baixa. Ele estava muito envergonhado. — Eu não devia ter beijado você naquele outro dia. Eu juro por Deus que não sabia que você era lésbica. — Olhou para ela com pesar.
Lara riu baixinho.
— Até onde sei, eu poderia ser Bissexual. — Sorriu com divertimento para ele. — Mas está tudo bem, Fernando. Eu também não sabia que gostava de garotas. Aquele dia eu queria me forçar a fazer algo para tentar me esquivar de uma coisa maior que estava sentido. Sou eu que tenho que pedir desculpas, usei você.
— Está tudo bem. Mas preciso dizer que foi um choque e excitante ao mesmo tempo, ver você e a Giulia.
Lara gargalhou.
— Vocês estão namorando agora?
— Estamos iniciando uma relação.
— Espero que dê tudo certo entre vocês. Giulia sofreu muito com a sua separação de Morgana.
— Estamos felizes e também esperamos que tudo dê certo.
— Achei você! — disse Giulia e sentou-se ao seu lado. — Está tudo bem, Fernando?
— Está sim. Ainda somos amigos, mas não vacile com ela, Giulia. Acho que eu ainda tenho chance — brincou e tomou o resto do seu café.
— Vai sonhando. — Giulia pegou a mão Lara sobre a mesa e entrelaçaram os dedos.
— Está certo. Deixa eu voltar para o trabalho. Depois a gente marca um happy hour. — Levantou-se e foi embora.
— Está pronta para encarar os seus pais amanhã?
— Eu não sei, mas preciso estar. Vou falar com eles. Não quero nada escondido.
— Que bom. Vai me apresentar a eles? — Giulia passou a mão pelos cabelos soltos de Lara.
— É claro que sim. — Sorriu e selou os seus lábios. — Eu tenho que ir para casa ajeitar algumas coisas e ainda preciso passar no mercado. — Levantou-se.
— Eu passo lá quando sair do hospital.
— Está bem. — Beijou-a novamente e se foi, deixando Giulia com cara de boba apaixonada.
***
Na sexta, as três da tarde, o avião em que os pais de Lara estavam, chegou ao Aeroporto Internacional de Confins. Lara estava morta de saudade e chorou quando os abraçou.
No seu apartamento, ela e a mãe cozinhavam o jantar enquanto o pai assistia ao jornal. Naquele dia ficou combinado que Giulia não apareceria. Ela precisava contar-lhes sobre a sua sexualidade antes que soubessem da existência da sua namorada.
— Adorei o seu colar — disse Marta, encantada pelo colar que ela ganhou de Giulia no seu aniversário. Desde a manhã seguinte da noite em que dormiram juntas pela primeira vez, não o tirou mais do pescoço.
— Obrigada, mãe. Foi uma pessoa muito especial quem me deu.
— Ele tem nome? — perguntou toda sorridente.
Lara parou de cortar os legumes e não teve coragem de encarar a mãe. Uma enorme vontade de chorar e correr para os braços de Giulia a invadiu.
— Ela tem nome? — perguntou o seu pai com a voz grave, de pé logo atrás.
Lara o olhou por cima do ombro com o semblante confuso. Como ele poderia saber? Será que achou algum indício pela casa de que uma mulher andava dormindo ali durante a semana?
— Por que está perguntando isso, pai?
O seu Bernardo olhou para esposa, que suspirou e deu a volta na ilha da cozinha. Segurou as mãos gélidas da filha que tinha os olhos marejados.
— Porque nós sempre soubemos que havia algo de especial em você desde a sua pré-adolescência. Você era diferente, filha. Não partilhava das mesmas malinesas e euforias que as suas primas e amigas, era sempre tão tímida e retraída quando se tratava de namoro ou garotos — disse a sua mãe.
— E quando você apareceu com aquele sujeito do Alex lá em casa, nós sabíamos que ali não havia amor ou paixão da sua parte. Empolgação, apenas. Era visível para qualquer um o quanto você se esforçava para estar com ele e para gostar dele. Quando você foi para faculdade, achávamos que a qualquer momento você apareceria com uma garota ou nos contaria sobre a sua opção sexual, mas isso não aconteceu e nós ficamos sem saber como abordar este assunto com você que estava se tornando adulta — disse Bernardo.
— Não queríamos te magoar ou te insultar. Tínhamos medo de não saber usar as palavras ou de estarmos errados.
Lágrimas banhavam o rosto de Lara.
— Eu nunca soube sobre isso. Quer dizer... eu sempre notei que algo era diferente, mas achava que podia passar por cima ou que sumiria com o tempo. Mas nunca cheguei a me apaixonar por outra mulher antes ou notar que não gostava de homens. Isso é novo para mim e eu estou muito assustada com o quanto estou feliz. — Chorou, incapaz de se segurar mais.
— Não chore, filha. Vou chorar também — disse Marta, já aos prantos abraçando a sua única filha.
— Me desculpem por isso.
— Não peça desculpa, Lara. Essa é você desde sempre, porém, só está se descobrindo agora. Antes tarde do que nunca — disse o pai.
Ela e a mãe se soltaram.
— Mas, e quanto tudo aquilo que era pregado na igreja? Estou indo contra tudo isso!
— Eu e o seu pai paramos de frequentar a igreja quando você fez dezoito anos, não porque Bernardo se irritou com o pastor Carlos, mas porque achávamos que talvez fosse isso que a retraia.
— Além de que onde não cabe a nossa filha, também não nos cabe.
— Então vocês sempre cogitaram?
— Sim. Nos desculpe por nunca dizer nada, mas preciso que você entenda que não sabíamos como fazer isso — disse a mãe.
— Está tudo bem. Vocês não fizeram nada de errado. Talvez se tivessem me dito algo no passado, teria surtado. Eu me conheço. — Sorriu e abraçou os pais de uma só vez. — Eu amo vocês. Tive medo de não me amarem mais quando eu os contasse.
— Jamais isso aconteceria, filha — disse o seu pai, acalentando-a.
— Então... Onde está ela? — perguntou a mãe.
— Ela vem amanhã.
— Nem pensar. É um jantar em família, então ela tem de estar aqui. Ligue para ela.
— A não ser que vocês estejam... ficando, como dizem os jovens hoje — disse Bernardo, a fazendo rir.
— Não, pai. As coisas entre a gente estão sérias, apesar do pouco tempo.
Lara pediu licença aos pais e foi toda feliz ligar para Giulia. Convidaria ela para jantar com eles.
— Oi, minha estrela — disse Giulia ao atender a ligação.
— Eles querem te conhecer. Estão te convidando para vir jantar com a gente. Por favor, diz que vem.
— Isso é sério? A conversa deve ter sido ótima, pelo jeito.
— Sim, foi incrível. — Suspirou.
— Chego em quarenta minutos. Tudo bem?
— Claro.
— Eu levo o vinho. Até daqui a pouco, amor.
— Até daqui a pouco.
Enquanto Giulia se dirigia ansiosa para casa de Lara, ela e a mãe terminavam o jantar. Quando Giulia chegou, ela estava pondo a mesa para os quatro na pequena sala de jantar que dividia espaço com a sala de estar.
— Eu atendo — gritou o seu pai indo até a porta. — Oi. Você deve ser a Giulia — disse Bernardo, assim que a viu parada depois da porta, segurando uma garrafa de vinho.
— Sim, sou eu.
Os dois apertaram as mãos.
— Entre. — Deu passagem a ela.
— Obrigada.
— Elas estão na cozinha.
— Com licença. — Giulia seguiu para cozinha com Bernardo no seu encalço.
— Oi, estrela.
— Oi. — Lara sorriu e foi até a namorada.
— O vinho. — Entregou-lhe a garrafa.
— Obrigada. — Beijou o seu rosto, mas a vontade mesmo era de beijar a sua boca com direito àquela mordidinha safada no lábio inferior. — Giulia, estes são meus pais. Marta e Bernardo. Pais, esta é Giulia... a minha namorada.
— É um prazer conhecê-la. — Marta a abraçou forte e beijou o seu rosto.
— Estamos felizes em ter você aqui esta noite — disse Bernardo.
— Também estou feliz. — Sorriu. — Confesso que estou surpresa por tudo estar indo tão bem. Lara passou a semana apreensiva.
— Nada que uma conversa esclarecedora não resolva — disse Marta.
O jantar foi servido e eles comeram enquanto conversavam. Bernardo e Marta adoraram a nora e a forma inebriante que ela fazia a filha deles sorrir.
Depois do jantar, os pais se recolheram no quarto de hóspedes. Estavam cansados devido à viagem. Enquanto isso, Lara e Giulia foram cuidar da limpeza da cozinha.
— Como foi a conversa entre vocês?
— Foi intensa em questão emocional. Eles disseram suspeitar desde os meus treze para quatorze anos, mas nunca encontraram uma brecha para a conversa sobre ou perguntar. Eles tentaram muitas vezes, mas não conseguiram. Eu não os culpo. São pais e esse é um assunto delicado.
— Será que os meus pais também sabiam sobre mim?
— Talvez sim.
— Estou feliz que tudo tenha dado certo.
— Também estou.
Lara caminhou até Giulia e beijou os seus lábios pela primeira vez na noite como desejou desde o momento em que a viu no seu apartamento.
— Que tal irmos para o seu quarto?
— Fazer um sexo mudo? Acho que isso não terá tanta graça.
— Terá sim. Vou amordaçar você. — Estalou a mão na bunda de Lara.
— Por que me amordaçar quando a escandalosa é você? — perguntou sorrindo.
— E se a gente subir para o terraço? Podemos forrar uns cobertores, levar umas almofadas... Sexo a luz do luar. — Riu e mordeu o lábio inferior de Lara, apertando as suas nádegas com provocação.
— Eu acho que não. Não sei se vou conseguir ficar à vontade com os meus pais ao lado ou embaixo da gente.
— Tudo bem. Mas dormir abraçadinhas está liberado, não é? — Beijou o pescoço de Lara.
— Com certeza.
— Certo. Mas quando eles se forem, quero sexo sob as estrelas.
— Tudo bem. — Riu.
***
Parte oito
Bernardo e Marta foram embora deixando o convite para ambas passarem o Natal na sua casa. Lara ficou triste com a partida dos pais, mas agora tinha Giulia.
As semanas foram indo e com elas os meses. Giulia e Lara estavam completando seis meses juntas e já falavam em dividir um apartamento em breve. Giulia revelou o desejo que tinha de ser mãe e Lara se perguntou se um dia gostaria de ter filhos, e a resposta para isso foi “sim”. Ela gostaria de dividir este amor tão grande com Giulia.
As duas estavam programando a viagem de Natal para São Paulo e Lara estava muito ansiosa para que o resto da família conhecesse a mulher que estava lhe fazendo muito feliz.
A porta da frente se abriu e Lara sabia que era sua namorada quem estava chegando. Depois de três meses de namoro, Lara achou inconveniente Giulia ainda ter que tocar a campainha para entrar. Então, lhe deu uma cópia das chaves do seu apartamento. Giulia acabou fazendo o mesmo no dia seguinte.
— Oi, estrela. — Abraçou Lara por trás que lavava a louça e beijou o seu pescoço a fazendo se arrepiar.
— Oi, meu bem.
Lara virou-se e beijou-a com paixão.
— Preparei uma noite especial para gente no terraço — disse Lara sorrindo com malícia. — Hoje é lua cheia e o céu está limpo.
— Uau! Olha só o quanto a minha estrela está mal-intencionada. — Riu e selou os seus lábios.
— Por que você não toma um banho e sobe para me encontrar lá em cima?
— Tudo bem. Me dê vinte minutinhos.
— Quantos precisar.
Giulia seguiu para o quarto e Lara subiu para o terraço. A noite estava linda e ventava fresco. Não demorou muito e Giulia apareceu usando um short jeans e uma camiseta fina de cor branca, que mostrava que ela estava sem sutiã.
Lara sorriu e estendeu a sua mão para que se sentasse ao seu lado. Giulia assim fez e as duas se acomodaram no amontoado de cobertores, travesseiros e almofadas. Ao canto esquerdo havia um balde com gelo, uma garrafa de champanhe e duas taças dentro. A direita tinha uma bandeja small com morangos, uvas e um fondue de chocolate preto meio amargo.
— Que lindo, amor. — Sorriu e lhe beijou.
— Que bom que gostou. Sei que está um tanto atrasado, mas não me esqueci desse seu desejo.
Giulia riu e acariciou o rosto da sua amada.
— Está se concretizando em uma data especial. Hoje faz seis meses que lhe pedi em namoro.
— Eu sei. — Lara sorriu boba.
— Vou estourar a champanhe.
Giulia ficou de joelhou sobre os cobertores e estourou a champanhe servindo as duas taças.
— Um brinde a nós duas.
— Um brinde. — Lara tocou a sua taça na dela e deram um grande gole.
De frente uma para outra, em meio a troca de olhares, sussurros e beijos, Lara se preparava para fazer algo muito importante.
— Preciso lhe dizer algo.
— Diga, estrela. — Colocou uma mecha do seu cabelo atrás da orelha.
— Eu amo você. Eu tenho dito isso sempre, mas nelas todas você está dormindo. Desculpe.
As duas riram.
— Geralmente quando vamos dizer algo dessa importância, nos certificamos de que a outra pessoa esteja acordada.
— Eu sei, mas é que como nunca fiz isso antes, não sabia se era cedo demais para dizer.
— Nunca é cedo demais para dizer que ama alguém.
Lara sorriu emocionada e a beijou com carinho e cuidado como se Giulia pudesse a qualquer momento desaparecer ou quebrar.
— Eu te amo, estrela! Amo tanto que chega a doer — disse de olhos fechados e testas coladas.
— Case comigo, Giulia? — Lara abriu os seus olhos e afastou-se um pouco olhando para ela. — Não quero apenas dividir um apartamento com você. Quero ser sua esposa e quero que seja a minha também. A verdade, é que tenho pressa. Quero logo poder começar a fazer planos com você de uma vida inteira e concretizá-los logo mais.
Giulia estava sem ação. Jamais esperava aquele pedido partindo de Lara. Os seus olhos estavam marejados e na sua garganta um bolo de emoção. O seu coração batia tão rápido quanto as asas de um beija-flor. É claro que ela queria. Queria tudo com Lara, e se casar novamente era uma delas.
Lágrimas escorreram por sua face branca. Giulia respirou fundo, tomando fôlego e beijou a sua estrela com todo o seu coração.